Decameron: 10 novelas selecionadas
Autor: Giovanni Boccaccio, Maurício Santana Dias (organizador)
Designer: Tereza Bettinardi e Elaine Ramos
Ilustrações: Alex Cerveny
Editora: Cosac Naify
Fontes: Vendetta e Fakt
Acabamento: capa dura, hoststamping, não refilado
Houve alguma dificuldade técnica de produção para esse livro?
O livro foi impresso na China, o que possibilitou que tivéssemos mais recursos de produção gráfica a disposição. A capa foi impressa em papel especial em 5 cores: CMYK + branco com hotstamping. Foram usados dois tipos de papel no miolo, cuja função era justamente demarcar as partes – a primeira, impressa em papel White Royal 120g, com a apresentação do tradutor e a segunda em Yu Long Pure 150g com as novelas. As laterais do livro também rendeu mais uma homenagem a tradição do livro medieval: a opção por não utilizar o refile trilateral uniforme, cria um relevo interessante na lombada [ver detalhe].
Tereza Bettinardi é graduada em Desenho Industrial/Programação Visual pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Em 2006, mudou-se para São Paulo onde começou a trabalhar na Editora Abril como designer em diversas revistas, entre elas Superinteressante e Capricho. Integrou as equipes de design do Máquina Estudio/Kiko Farkas e da Cosac Naify. Dentre os inúmeros projetos na editora, foi laureada com um Jabuti pelo projeto gráfico do livro Decameron de Giovanni Boccaccio desenvolvido em conjunto com Elaine Ramos. Foi professora visitante do módulo da pós-graduação no curso de design editorial do Istituto Europeo di Design em São Paulo em 2014 e atualmente é professora convidada do Curso de Especialização em Design Gráfico na Unicamp. Foi residente do Curso de Escrita e Crítica em Design na School of Visual Arts em Nova York. Atualmente trabalha como designer independente desenvolvendo projetos para diversas editoras.
Acabamento: capa dura, hoststamping, não refilado
frente e verso do livro (clique para ampliar) |
O Decameron (ou Decamerão, se preferir) de Giovanni Boccaccio, foi escrito em meados do século XIV, quando a Itália se recuperava da peste negra. Estabelecendo o padrão para o que viria a ser o conto ficcional, reúne cem narrativas contadas por sete damas e três cavalheiros que, a fim de escapar da peste, se recolhem numa vila senhoril e, para passar o tempo e celebrar a vida, narram histórias uns aos outros. Esta edição especial lançada pela extinta Cosac Naify (mas que ainda se encontra em alguns sites como a Amazon) foi feita para celebrar os 700 anos do nascimento do autor, reunindo dez novelas, traduzidas e prefaciadas por Maurício Santana Dias, todas ilustradas por Alex Cerveny. Além disso, reproduz páginas de manuscritos iluminados por Boccaccio, que também foi um exímio copista.
O projeto gráfico, vencedor do Prêmio Jabuti, é da designer Tereza Bettinardi. Abaixo, conversei com ela sobre como foi o processo criativo desse livro.
guardas do livro |
Como foi o processo criativo para essa edição do Decameron? Como foi definido o formato do livro, por exemplo?
Desde as primeiras conversas sobre este livro, era claro que era necessário tornar esta edição um objeto especial: seria lançada no aniversário de 700 anos de Giovanni Boccaccio. Já no final de 2012, já na primeira reunião com o tradutor e organizador Maurício Santana Dias, uma pista: Boccaccio também foi um exímio copista. Dois manuscritos comprovam esta informação: o primeiro, localizado na Biblioteca Nacional de Paris, com ilustrações a bico de pena; e o segundo, em Berlim, inteiramente transcrito e ilustrado com pequenas vinhetas pelo autor.Páginas iniciais em papel White Royal 120gr, com reprodução do original digitalizado |
Semanas depois daquela primeira conversa, tive a oportunidade de visitar a biblioteca em Berlim e me incubi de uma missão muito especial: ver pessoalmente um daqueles manuscritos citados pelo Maurício. Infelizmente, devido ao estado de conservação (também pudera, é datado de 1370!), o acesso só é liberado a pesquisadores. Só me restou a edição fac-similar. Fiquei muito encantada com os detalhes (além das capitulares ornamentadas, Boccaccio também inseria ao pé de algumas páginas pequenas vinhetas com desenhos dos narradores) e o tamanho do livro também me impressionou: era grande!
O livro foi feito em conjunto com Elaine Ramos e já na primeira reunião após a leitura das novelas selecionadas, tínhamos uma certeza: a extraordinária minúcia das descrições de Boccaccio pedia um livro ilustrado por alguém capaz de trazer a riqueza de detalhes. O artista paulistano Alex Cerveny aceitou o desafio. A intenção não foi fazer um revival histórico, mas, ao contrário, fazer uma homenagem contemporânea à tradição do livro medieval. A escolha pelo formato seguiu este princípio – lembro inclusive, de pesquisarmos um artigo seminal do designer de livros Jan Tschichold sobre os cânones de construção da página dos livros medievais.
Porque a escolha do livro não ter parágrafos, mas utilizar pequenas ilustrações? Seria uma referência às edições medievais?
Sim. A composição do texto foi um capítulo a parte. Já que a mancha de texto iria ter como princípio o cânone medieval, o próximo passo foi justamente definir que não teríamos recuo entre parágrafos mas sim um pequeno ornamento desenhado por Alex – ganharíamos, assim, uma mancha de texto mais coesa. A decisão de compor o texto em duas colunas foi definida depois de diversos testes – principalmente depois de garantir que a relação entre o tamanho da fonte, a largura da coluna e a entrelinha ofereciam uma leitura confortável. Pouco convencional nos livros atuais, a opção em duas colunas também oferecia mais possibilidade de ornamentação.
A tipografia utilizada foi a Vendetta, desenhada por John Downer e distribuída pela Emigre em 1999. O desenho desta tipografia mescla as formas tipográficas do início do renascimento com as preocupações da tipografia contemporânea, como, por exemplo, a exibição ideal de letras na tela do computador. A outra tipografia utilizada foi a Fakt, uma sem serifa humanista desenhada por Thomas Thiemich e distribuida pela OurType.
Como foi o processo entre o design e o ilustrador, principalmente em função dos parágrafos e das pequenas intervenções que os desenhos fazem no texto?
Ao longo de doze semanas, entre abril e junho de 2013, o livro tomava forma. O primeiro passo foi a marcação das cenas para determinar o espaço das ilustrações. A ideia é que todos os espaços da página deveriam ser preenchidos, por texto ou imagem. Uma prova de revisão com os espaços em branco foi enviada para o artista que preenchia as 96 páginas com pequenas vinhetas e ornamentos que foram posteriormente digitalizadas e tratadas. Já as ilustrações foram feitos em papel especial. Outro aspecto interessante do projeto foi o tratamento dado aos títulos das novelas e número de página – que muitas vezes foram invadidos pela ilustração – e cuja intenção era que fossem o mais discretos possível.
Houve alguma dificuldade técnica de produção para esse livro?
O livro foi impresso na China, o que possibilitou que tivéssemos mais recursos de produção gráfica a disposição. A capa foi impressa em papel especial em 5 cores: CMYK + branco com hotstamping. Foram usados dois tipos de papel no miolo, cuja função era justamente demarcar as partes – a primeira, impressa em papel White Royal 120g, com a apresentação do tradutor e a segunda em Yu Long Pure 150g com as novelas. As laterais do livro também rendeu mais uma homenagem a tradição do livro medieval: a opção por não utilizar o refile trilateral uniforme, cria um relevo interessante na lombada [ver detalhe].
Este livro foi vencedor do Jabuti de melhor Projeto Gráfico e ficou em 3º lugar na categoria Ilustração. Gosto de repetir sempre que o projeto gráfico de um livro é um encontro, e, neste caso, um encontro com mais de 700 anos de história!
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